Rafael Higashi: Cannabis medicinal uma mudança de paradigma em relação a maconha

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Autor: Dr. Rafael Higashi é mestre em medicina, neurologista e nutrólogo e diretor da Clínica Higashi no Rio de Janeiro

O uso da Cannabis como tratamento medicinal não é algo novo na humanidade, data de 2700 A.C o primeiro registro foi encontrado na farmacopeia chinesa, Pen Ts’ao Ching recomenda o uso da cannabis para dores nas articulações e prisão de ventre. No Egito 1500 A.C, o Papyrus Ebers, livro de medicina do Antigo Egito, indica a cannabis para inflamações nos olhos e cólicas menstruais. Já no século 19 a tintura de cannabis já era utilizado nos Estados Unidos para alivio das dores e náuseas, entretanto, nos anos 30, houve uma intensa campanha de grupos conservadores contra a maconha, jornais passaram a publicar seguidas matérias associando a crimes violentos.

Também devemos levar em conta que o cannabis e seu derivado, o cânhamo, estavam ameaçando a industria do papel e seus aditivos derivados do petróleo e o cânhamo poderia ser uma obstáculo ao crescimento deste mercado, sob pressão, em 1937, o congresso americano proibiu não apenas o uso da maconha recreacional mas também a planta e todas as suas possibilidades medicinais. Nos anos seguintes, o mesmo aconteceria com o resto do mundo.

A mudança de paradigma em relação da possibilidade do uso da Cannabis como tratamento medicinal ocorreu a partir da década de 90 com a descoberta a nível cerebral do sistema endocanabinoide pelo pesquisador israelense Raphael Mechoulam, da Universidade Hebraica de Jerusalém, a qual verificou-se a existência de receptores específicos para os canabinoides que são os compostos químicos do vegetal do gênero Cannabis.

No total 110 canabinoides distintos já foram isolados, sendo o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabinol (THC) aqueles que se apresentam nas maiores concentrações e devido às suas diferentes interações com os receptores do sistema endocanabinoide humano e, portanto, suas atividades biológicas, formulações contendo diferentes dosagens de CBD e THC vêm sendo indicadas para pacientes que se encontram em diferentes contextos patológicos, como exemplo epilepsia, espasticidade na esclerose múltipla , náusea e vômito induzidos por quimioterapia, dor crônica em adultos, e outros.

Vale lembrar que o uso medicinal da cannabis não tem relação com o uso recreativo. Para começar o uso recreativo do cannabis se da através do fumo e pela sua ação psicoativa relacionada ao THC, e na grande maioria dos estudos sobre a ação terapêutica do cannabis esta relacionada ao CBD, principal composto não psicotrópico da Cannabis Sativa e é considerado o canabinoide com maior potencial terapêutico, que normalmente é utilizado na forma de apresentação liquida oral (xarope) aonde a posologia pode ser ajustada de acordo com necessidade individual do paciente sob orientação do médico. Um estudo americano demonstrou que o uso da maconha recreacional tem 9% de chance de dependência comparado com 17% da cocaína. Vale destacar que além da dependência, o uso recreacional da cannabis esta associado no longo prazo a depressão, alteração cognitiva além de problemas pulmonares, ao contrário, o uso da cannabis medicinal com CBD não causa dependência.

Inicia-se um movimento a partir da década de 90 de se permitir o uso medicinal da cannabis. Em 1996, o estado americano da Califórnia (EUA) foi o primeiro a aprovar por plebiscito o uso medicinal da cannabis, foi ,então, denominado de “lei da compaixão”. Em 2001 por ordem judicial, o Canadá tornou-se o primeiro país do mundo a ter um programa federal que fornece maconha para fins terapêutico. No Brasil, em 2014, foi autorizado o uso do CBD como uso compassivo (medicamentos sem registro na Anvisa), no entanto, devido a burocracia , pacientes necessitavam cerca de quatro meses para conseguir o tratamento e com um custo pouco acessível para maioria da população, contudo, em 2020, uma nova regulamentação da Anvisa, permitirá a venda de produtos derivados de cannabis em farmácias. A medida começa a valer a partir de março de 2020, criou-se uma categoria especial para os chamados “produtos derivados de cannabis”, que fica entre os suplementos alimentares e os medicamentos, o insumo deverá ser importado, e as empresas deverão importar a matéria-prima semielaborada, e não a planta em si. Estas nova medidas facilitara a prescrição do médico e o acesso do paciente a medicação, como a farmácia poderá importar em grande quantidade , o custo também será diminuído.

Em suma, não podemos ter preconceito em relação ao poder terapêutico da cannabis, este deve ser utilizado com sabedoria por aqueles que são habilitados a tratar patologias de difícil controle, o médico.

 

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