O novo chefe da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Luiz Roberto Beggiora, defende mudar lei para definir critérios de diferenciação entre o consumo e o tráfico de drogas. Entre elas, fixar quantidades limites para posse de entorpecentes. Beggiora foi apontado para chefia do órgão, vinculado ao Ministério da Justiça, pelo ministro da pasta, Sérgio Moro.
“Entendo que tem de ter algo objetivo, para dar parâmetro, até para a polícia trabalhar e para evitar prisões indevidas de usuários e dependentes. Mas só quantificar o número de gramas não é o suficiente e têm de ser debatidas também outras circunstâncias”, disse em entrevista ao Estado. Em julgamento iniciado no Supremo Tribunal Federal (STF) e que será retomado em junho, o ministro Luís Roberto Barroso propôs que o porte de até 25 gramas de maconha fosse considerado como para consumo, o que não levaria a prisão.
Dentro da proposta de Moro de drenar os recursos de organizações criminosas, Beggiora disse que a Senad terá como prioridade tornar mais eficiente e rápida a gestão dos bens e valores apreendidos do narcotráfico. Modelos de outros países que criaram agências de gestão e recuperação de ativos estão sendo estudados. O novo secretário disse também que a parte do atendimento ao usuário de drogas hoje feito pela Senad passará para Ministério da Cidadania.
O senhor vê necessidade de alterações na atual Lei de Drogas, de 2006?
Muitos pontos do Projeto de Lei Complementar 37, em tramitação no Congresso, são relevantes, como regular melhor as atribuições e competências do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (SISNAD), os procedimentos para internação involuntária, dentre outros. Realmente existem pontos da Lei de Drogas que merecem aperfeiçoamento, tal como a estrutura do sistema, os meios de avaliação de políticas sobre drogas, a definição do que é comunidade terapêutica, dentre outros.
O senhor é a favor de descriminalizar a maconha ou outro tipo de drogas?
Cabe informar que esse assunto não está na pauta desta Secretaria. Trata-se de decisão que requer muita cautela e responsabilidade através de análise e estudos aprofundados sobre as consequências e impactos na saúde e vida das pessoas e da sociedade como um todo.
No Supremo, há um julgamento iniciado que será retomado em junho com 3 votos a favor de descriminalizar o uso da maconha. O voto do ministro Luís Barroso sugeriu uma quantidade limite de porte de maconha, 25 gramas, para diferenciar consumo e tráfico. O senhor é favorável a fixar critérios de distinção como limitar quantidade?
Estamos acompanhando esse caso no STF com muita atenção. Essa questão (quantidade) está sendo debatida também no Congresso e é nebulosa, precisa de debate e depende muito de alteração legislativa. É difícil se posicionar. É importante definir de forma mais clara o que é tráfico e o que é consumo. Entendo que tem de ter algo objetivo para dar parâmetro até para a polícia trabalhar e para evitar prisões indevidas de usuários e dependentes. Mas só quantificar o número de gramas não é o suficiente. Têm de ser debatidas também outras circunstâncias.
Que circunstâncias?
Por exemplo, se uma pessoa que está com uma determinada quantidade limite de droga é apanhada vendendo e repassando a outras pessoas… É fácil pensar que, se o limite é X gramas, pode valer a pena ter um pacote de X gramas esperando para vender. E também (deve se considerar) se essa pessoa já tem passagem por tráfico e estiverem passando a outras pessoas.
O futuro ministro Sérgio Moro disse que a gestão dos bens e dos valores apreendidos do narcotráfico será uma prioridade da Senad. Quais são as estratégias já desenhadas na transição?
Vamos realizar parcerias estratégicas com o Estados, Ministério Público e Judiciário e desenvolver um sistema que possibilite o controle desses bens que foram objeto de pena de perdimento em virtude do tráfico de drogas. Vamos reestruturar o processo de venda desses bens, dando uma maior agilidade, transparência e publicidade para que os bens não percam seu valor econômico e haja um maior número de interessados em sua compra. Uma das determinações do ministro é estudar os modelos existentes em outros países que criaram uma agência de gestão e recuperação de ativos apreendidos e confiscados.
O ministro Moro citou na posse a ideia de criar essa agência. Como ela seria?
Estamos estudando os modelos de agências no Canadá, na Itália e na França, que são interessantes. É possível haver uma adaptação desses modelos para uma versão brasileira e pode ser necessária alteração legislativa. O modelo da Itália e do Canadá é capilarizado, com regionais em estados. Seria necessária a colaboração com Estados para criar uma estrutura mínima, principalmente para alienação e confisco.
De que forma a Senad ou essa agência podem ajudar a descapitalizar os narcotraficantes, como pretendido por Moro?
Não basta identificar e decretar o confisco e perda dos bens. Precisamos que seja dada a necessária atenção aos mecanismos de destinação final dos bens perdidos. Cabe à Senad, dentro desse cenário, buscar esses mecanismos de eficiência para melhorar a gestão desse patrimônio e, quando possível, sua alienação antecipada, principalmente nos casos em que exista demonstração razoável de que a longa tramitação do processo penal implicará certo grau de deterioração ou até mesmo a destruição dos bens.
Pode dar um exemplo de prejuízo devido à demora para decisões judiciais?
Há casos em que leva cinco a oito anos para a justiça autorizar a venda, e, por exemplo, veículos apreendidos já perderam valor depois desse tempo.
Quais são as estratégias discutidas para melhorar a gestão dos bens e valores?
Pretendemos desenvolver um mecanismo que possibilite classificar e quantificar os bens que foram objeto de pena de perdimento em virtude do tráfico de drogas bem como mapear a real necessidade dos órgãos e entidades envolvidas. A intenção é melhorar a interlocução com os Estados e aperfeiçoar também a sistemática de transferência e controle desses bens visando sua correta aplicação.
Qual será o novo modelo de gestão de bens confiscados do narcotráfico?
O objetivo é desenvolver e melhorar os processos de identificação de ativos de origem ilícita no país, assim como a administração de bens apreendidos e confiscados, a fim de obter o maior beneficio de tais bens, seguindo os princípios constitucionais como a função social da propriedade. Há casos em que leva cinco a oito anos para a justiça autorizar a venda de bens, e nesse tempo veículos, por exemplo, perdem em valor. Pretendemos estabelecer normas de boa governança e transparência administrativa que permitam obter o maior beneficio de tais bens, seguindo os princípios constitucionais como a função social da propriedade; evitar atos de corrupção e desvio na utilização e disposição de tais bens; e contribuir com o financiamento de ações de segurança pública.
Como será feita a realocação do serviço de atenção ao usuário de droga que hoje é feito pela Senad? Sérgio Moro falou que a atribuição deixará de ser da secretaria.
O atendimento ao usuário de drogas já é feito de forma intersetorial, pelo Ministério da Saúde por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), do SUS, pelo atual Ministério do Desenvolvimento Social por meio de órgãos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tais como o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS). A diferença é que o fomento ao acolhimento de dependentes pelas comunidades terapêuticas não será mais feito pelo Ministério da Justiça, e sim pelo novo Ministério da Cidadania. Estas comunidades tem prestado um importante papel na atenção e cuidado aos dependentes por proporcionar-lhes um local livre de drogas para que estas pessoas se recuperem de sua dependência consigam a sua reinserção social. Mas o apoio ao acolhimento de dependentes é uma parte de um conjunto maior de ações de cuidado e tratamento de dependentes.
*QUEM É.
Procurador da Fazenda Nacional desde 2000, Luiz Roberto Beggiora já desempenhou no órgão as funções de coordenador-geral da dívida ativa e de coordenador-geral de grandes devedores. Recentemente, trabalhou no Paraná cuidando da gestão de grandes devedores e atuou numa equipe de combate à fraude. A exemplo outros indicados de Moro, integrou a Lava Jato. Ele coordenou um grupo da Procuradoria da Fazenda que atuava em parceria com a operação no Paraná.
Fonte: Terra