Um spray contendo dois compostos derivados da maconha, administrado em combinação com drogas antiespasmódicas, deu maior alívio em sintomas a pacientes com doenças neuromotoras do que os que receberam apenas o tratamento convencional com um placebo, mostra ensaio clínico com 60 adultos voluntários publicado nesta quinta-feira no periódico científico “The Lancet Neurology”.
Maior causa de incapacitação em pessoas com doenças neuromotoras, a chamada espasticidade é marcada pela rigidez muscular e fortes contrações involuntárias, os espasmos, que em muito afetam a qualidade de vida de suas vítimas. E embora existam vários medicamentos antiespasmódicos no mercado atualmente, sua eficácia é variável, com alguns pacientes não experimentando qualquer melhora nos sintomas, além de trazerem diversos efeitos colaterais indesejados, como fraqueza muscular e fadiga.
Assim, pesquisadores liderados por Nilo Riva, do Instituto Científico San Raffaele, em Milão, Itália, decidiram investigar se o spray nabiximols, contendo partes iguais de delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) – já comercializado no Reino Unido, com o nome Sativex, e em outros países para ajudar a aliviar sintomas de esclerose múltipla -, também poderia ajudar pessoas com esclerose lateral amiotrófica (ELA) – a mais comum e severa doença neuromotora, que teve entre suas vítimas mais conhecidas o recém-falecido físico britânico Stephen Hawking – ou sua “irmã”, a esclerose lateral primária (PLS, na sigla em inglês) – mais rara e de progressão mais lenta, que tem na espasticidade sua principal característica.
– Não há cura para doenças neuromotoras, então melhorar o controle dos sintomas e a qualidade de vida é algo realmente importante para os pacientes – comenta Riva. – Nosso ensaio de prova de conceito mostrou um efeito benéfico do THC-CBD em pessoas resistentes aos tratamentos para a espasticidade e com dor. Mas apesar dos resultados encorajadores, ainda precisamos confirmar que o spray de THC-CBD é eficaz e seguro em um ensaio maior e de mais longo prazo de fase 3.
A espasticidade é um sintoma comum de doenças neuromotoras, desordens neurodegenerativas progressivas e fatais que afetam as células nervosas que controlam os movimentos musculares (neurônios motores). Ela afeta em graus variáveis vítimas de ELA e PLS. Estudos anteriores encontraram potenciais efeitos benéficos de canabinoides em seu alívio, incluindo relaxamento muscular em casos de esclerose múltipla, e têm sido cada vez mais reconhecidos como opções valiosas no controle da dor.
Para investigar se tais benefícios também ajudariam vítimas de doenças neuromotoras, os pesquisadores italianos recrutaram 60 adultos com entre 18 e 80 anos com ELA ou PLS. Para participar do estudo, os pacientes deveriam sofrer com sintomas da espasticidade a pelo menos três meses, e estarem tomando doses estáveis de medicamentos antiespasmódicos há pelo menos 30 dias antes do início do ensaio clínico, que continuaram a receber ao longo do estudo.
Os participantes foram então divididos de forma aleatória em dois grupos. Durante seis semanas, um seria tratado com o spray, enquanto o outro receberia um placebo. A dose do spray foi gradualmente elevada ao longo das duas primeiras semanas até atingir o nível ideal.
Alterações na espasticidade nas juntas dos pacientes foram avaliadas por um médico por meio de uma escala padronizada conhecida como Escala Modificada Ashworth (MAS, também na sigla em inglês) – uma ferramenta objetiva de medição do tônus muscular. Os voluntários também foram instados a manter um diário de seus sintomas, relatando níveis de espasticidade, dor, frequência dos espasmos e perturbações no sono.
Ao final do tratamento de seis semanas, a espasticidade foi significativamente aliviada no grupo que usou o spray, com as notas médias na escala MAS – que vai de um a quatro – melhorando em 0,11 ponto, contra uma deterioração média de 0,16 ponto no grupo do placebo. Além disso, o número de participantes que relatou melhoras foi bem maior no grupo do spray, 55%, contra 13% no grupo do placebo. Por fim, os níveis relatados de dor também diminuíram mais no grupo do spray, em -0,97 ponto numa escala de um a dez, contra apenas -0.06 ponto no grupo do placebo.
De modo geral, o spray também foi bem tolerado, com efeitos adversos leves a moderados e típicos do uso de compostos da maconha, principalmente astenia (perda de energia ou fadiga), sonolência e náuseas. Nenhum dos pacientes, no entanto, teve que descontinuar o tratamento em razão dos efeitos colaterais.
Em comentário que acompanha o estudo no “The Lancet Neurology”, Marinne de Visser, pesquisadora do Centro Médica da Universidade de Amsterdã, na Holanda, reconhece que “os dados de Riva e colegas são encorajadores”, mas destaca que antes de aprovar o uso do spray para tratar sintomas de espasticidade de pacientes de doenças neuromotoras são necessários mais estudos para estabelecer seus benefícios na redução dos espasmos e na consequente melhoria da qualidade de vida, bem como identificar que subgrupo deles mais se beneficiaria do tratamento.
Fonte: O Globo