Precisamos falar sobre Canabidiol

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Em 2015, pela primeira vez no Brasil, uma família conseguiu a autorização da Anvisa para importar legalmente o canabidiol (CBD), óleo extraído da planta da maconha, a cannabis. A luta de Katiele e Norberto Fischer ganhou repercussão nacional quando o casal conseguiu autorização para realizar o tratamento da filha Anny, diagnosticada com uma síndrome rara, a CDKL5.

Por conta das frequentes crises de epilepsia provocadas pela doença, Anny tinha em média 60 convulsões por semana. Seu desenvolvimento regrediu e a pequena não falava, não andava, não tinha controle de pescoço e tronco. Após fazer uso do CBD, as crises passaram a ser quase raras, perdendo espaço para uma nova rotina, marcada pela redescoberta de uma vida com possibilidades. Algo que até então a família Fischer desconhecia.

O CBD é usado para o tratamento de outras doenças além da epilepsia, como a esclerose múltipla, Alzheimer, Parkinson, dores crônicas, entre outras. O derivado não tem efeito psicotrópico. Ou seja, não falamos aqui de provocar efeitos alucinógenos, viciar pacientes, tampouco colaborar com o tráfico de drogas. O “barato” está em proporcionar bem estar às pessoas.

De acordo com a ANVISA, desde 2015, quando o uso terapêutico da substância foi liberado pela Agência, cerca de 4 mil pessoas já tiveram autorização para importar a substância. Para se ter uma ideia, uma quantidade de CBD, para durar de um a dois meses, dependendo da dose, sai por aproximadamente 2 mil reais. Não por acaso, pacientes recorrem à Justiça para que o SUS arque com a medicação.

Os números apontam para um possível mercado do CBD também no Brasil. De acordo com levantamento de empresas especializadas, como a New Frontier Data, o número de consumidores no país pode chegar a 3,4 milhões em três anos após a liberação da venda legalizada. Com isso, o segmento poderia movimentar sozinho cerca de R$ 4,4 bilhões. O valor equivale a 6,3% do total do faturamento da indústria farmacêutica no Brasil, que de acordo com os dados do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, chegou a R$ 69,5 bilhões em 2017.

Se a venda é exequível ou não para o mercado nacional brasileiro, ainda não temos a certeza, mas a discussão sobre sua viabilidade e a necessidade dos pacientes deve fazer parte do debate público. Afinal é preciso pensar em formas de baratear, facilitar o acesso e também ter o controle da qualidade dos produtos que hoje o paciente brasileiro importa.

Embora já tenhamos dado um passo importante, liberando a importação, o processo para obter o produto ainda não é simples: é preciso ter uma receita especial e passar por diversas etapas de autorização da Anvisa. Com a liberação em mãos, é possível comprar os produtos em sites internacionais e encaminhar a permissão de entrada para a Receita Federal. A burocracia pode levar muitas famílias a realizar a importação de maneira ilegal ou simplesmente desistir.

Fato é que a realidade de quem precisa hoje do canabidiol esbarra em preconceitos e colabora também para o crescimento da judicialização da saúde, processo que nos últimos anos tem crescido em ritmo assustador. Não é exagero pensarmos que gastamos mais suprindo uma política que hoje não existe do que se gastássemos de fato com sua execução.

Desde 1993, alguns países têm legalizado o uso do canabidiol no tratamento de doenças: EUA, Canadá, Porto Rico, Polônia, Uruguai, Chile e Israel são alguns exemplos. Outras nações, como Alemanha, Suécia e Suíça, já regulamentaram o uso de medicamentos como o Sativex, medicamento com THC e Canabidiol, registrado no Brasil só em 2017 com o nome de Mevatyl.

A verdade é que não estamos falando de algo novo no mundo. Aliás, fala-se que o primeiro estudo brasileiro com o Canabidiol foi realizado entre as décadas de 1970 e 1980, quando o efeito anticonvulsivante da substância foi comprovado. Contudo, por muito tempo, a cannabis esteve atrelada a minorias discriminadas. Enquanto isso, a mesma planta que fornecia fumo aos guetos já estava presente também em fórmulas que produziam xaropes e remédios para dormir.

A medicina evoluiu, mas as propriedades dessa planta tão antiga ainda esbarram em preconceitos. O uso recreativo da maconha, que não é o que discutimos aqui, está atrelado a uma série de outras questões que vêm de séculos e que precisam ser debatidas em várias esferas – e não só no Brasil. Mas discutir o uso do canabidiol é urgente, pois essa, sim, é uma questão de saúde pública. O Brasil não pode limitar-se diante de avanços comprovados para a saúde das pessoas. É a qualidade de vida de milhares de brasileiros que está em jogo.

Fonte: TPM

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