Conservadorismo bloqueia maconha medicinal na Anvisa

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Ontem, como era esperado, a votação sobre Cannabis medicinal não se concluiu. Três horas depois de começada a reunião e depois de o relator da proposta, o diretor-presidente da Anvisa William Dib, ler seu voto, o barco fez água. É que dois dos cinco diretores da agência pediram vistas, adiando a decisão por pelo menos mais 30 dias. Fernando Mendes e Antonio Barra Torres não se preocuparam sequer em justificar seu pedido. O último, mais conhecido como “Almirante”, é o militar recém-apontado por Bolsonaro para o colegiado.

E, como dissemos por aqui ontem, os diretores podem pedir novamente vistas. Com isso, dificilmente a discussão e a votação se concluiriam antes da saída de Dib da agência, o que acontece no dia 26 de dezembro. (Embora ele tenha dito ontem que, sim, as resoluções serão apreciadas este ano.) “Pode não ser o tema mais importante, mas é o mais polêmico já enfrentado pela agência”, afirmou Dib ontem, emocionado. Ele é o grande responsável pelo tema, que dormitava há anos em alguma gaveta na Anvisa, ser pautado – e como o mundo não é preto no branco, para tanto pode ter contribuído, sim, sua proximidade com o setor privado, bem documentada pelo pessoal de O Joio e o Trigo na questão da indústria alimentícia e presumível na regulamentação em curso, tão desejada por pacientes quanto por empresas do setor.

Segundo a coluna Cannanis Inc., da Folha, Dib adotou inclusive uma estratégia para garantir, pelo menos, a regulamentação do registro e comercialização dos medicamentos à base de Cannabis, desde o início, separando essa proposta da referente ao cultivo da planta, que tem muita resistência no governo. E o “Almirante” a vocalizou ontem, durante a reunião, dizendo que “não seria possível” fiscalizar o plantio. Para quem lembra, a proposta recebeu de ativistas críticas justamente por ser tão rígida que basicamente só permite que empresas com muito dinheiro plantem: precisa haver segurança, o cultivo precisa ser indoor…

UM ANO DEPOIS

E esta semana a legalização do uso recreativo da maconha no Canadá completa um ano. No site The Coversation, o professor da Brock University Michael Armstrong resume o que aconteceu de lá pra cá. Hoje, cerca de 9.200 pessoas trabalham diretamente na produção da Cannabis, e outros milhares em empresas varejistas. Essa rede cresceu bem: logo da aprovação da lei, eram cem lojas licenciadas, e agora são mais de 550. Mas, no geral, as receitas e os lucros ainda são baixos.

Um dado surpreendente para algumas pessoas (mas nem tanto para outras) é que o número de usuários de Cannabis permaneceu praticamente inalterado. Uma média de 14,9% dos canadenses relataram usar a droga nos nove meses anteriores à legalização, e isso aumentou apenas para 16,3%, durante os nove meses seguintes. A diferença é que, cada vez mais, os usuários compram a maconha legalmente: a estimativa é que isso represente 30% do consumo hoje. O que significa que, apesar de em declínio, os fornecedores ilegais ainda dominam o mercado – possivelmente devido à escassez dos produtos licenciados e ao custo mais elevado da maconha legal. Em Quebec o preço não é muito mais alto (28%), mas há províncias em que ele é quase o dobro.

A tendência, segundo o autor, é que a chegada de alimentos, bebidas e líquidos para uso em vaporizadores e cigarros eletrônicos aqueçam as vendas legais, porque um quarto do consumo de maconha envolve esse tipo de produto. As províncias também devem rever os preços altos, e o número de lojas deve seguir aumentando. “Obviamente, fornecedores ilegais também reduzirão seus preços e melhorarão seus produtos. Consequentemente, quanto mais vendas legais crescerem, mais difícil será continuarem aumentando. E essa dinâmica pode fazer com que o primeiro ano da legalização, apesar de todos os seus tropeços, pareça a parte mais fácil”, conclui Armstrong.

BEM MAIS PRECISO

Nessas últimas semanas, temos repercutido muitas notícias incríveis envolvendo cientistas brasileiros (e suas instituições, quase sempre públicas). Segue mais uma: pesquisadores da USP desenvolveram um teste que consegue identificar a infecção pelo vírus zika com muita precisão. A novidade deve facilitar o trabalho de profissionais de saúde, já que os sintomas da arbovirose podem ser confundidos por olhos não tão treinados com os da dengue, por exemplo. Isso ajuda o usuário, mas também o sistema de saúde, que pode notificar melhor os casos e, com isso, entender – e se preparar – melhor para enfrentar o problema.

A semelhança entre zika e dengue era, aliás, o principal obstáculo para o desenvolvimento de um teste preciso. Para contornar isso, os cientistas identificaram um pedacinho suficientemente diferente entre os dois vírus. Ele é o “alvo” do teste, que acerta em 92% dos casos, contra 75% de precisão de exames sorológicos anteriores. O estudo foi financiado pela Fapesp. O pedido de uso comercial foi recentemente aprovado pela Anvisa. A patente foi licenciada por uma empresa, a AdvaGen Biotec.

PRA QUE PRODUZIR?

Já falamos aqui sobre a extinção extinção da Furp, a Fundação para o Remédio Popular de São Paulo, e, neste texto para o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, o pesquisador Jorge Bermudez contrapõe nosso cenário de produção de medicamentos ao de outros países. Também nisso, o Brasil vai na contramão do mundo: hoje, mesmo países ricos estão pensando estratégias adotadas no passado por países em desenvolvimento para assegurar o acesso a medicamentos essenciais. Os EUA discutem a necessidade de regulamentar e disciplinar os preços desde as últimas campanhas eleitorais, e tanto o Partido Democrata quanto o Republicano têm propostas neste sentido. Já no Reino Unido, a ideia do Partido Trabalhista envolve discutir o impacto da proteção patentária no acesso a remédios, e chama a atenção para o papel de laboratórios públicos. Por aqui, no caso da Furp, alega-se “que se trata de um governo de ‘desestatização’ e que não cabe ao governo fabricar medicamentos”.

NA PRESSÃO

A doença pulmonar ligada ao uso de cigarros eletrônicos que vem atingindo centenas de pessoas nos EUA – e já matou 26 – agora tem nome: EVALI, uma sigla para “doença pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou vaporizador”.

E faz mais de dez anos que esse novo tipo de cigarro chegou aos EUA, mas a FDA (equivalente à Anvisa brasileira) não regulou nada. Por quê? Uma investigação de repórteres do New York Times responde: por uma combinação da forte mobilização da indústria e do interesse de Scott Gottlieb – comissário escolhido por Trump para a FDA em 2017 – nessas empresas.

Em 2009, a agência anunciou que os produtos eram ilegais e nocivos, e interrompeu as importações. Em resposta, as empresas processaram a FDA e venceram. A agência teve que regulamentar os vaporizadores não como drogas, mas como produtos de tabaco, que enfrentam requisitos de segurança mais frouxos. Quando a agência finalmente enviou uma nova proposta de regulação para produtos de tabaco em 2015, houve nova pressão para afrouxá-la. A cereja do bolo foi a nomeação de Gottlieb, que era membro do conselho da Kure, varejista de cigarros eletrônicos. Pouco depois de assumir sua posição na FDA, ele concedeu às empresas um prazo de quatro anos para entrarem a conformidade com as regras da agência.

NOVAS FORMAS

Deputados da França aprovaram ontem um projeto de lei que, entre outras coisas, estende os direitos de reprodução assistida às mulheres solteiras e lésbicas. Depois de 80 horas de debates, foram 359 votos a favor, 114 contra e 72 abstenções. Em janeiro, o texto deve ser examinado pelo Senado. O G1 informa que cerca de 70% da população francesa se diz favorável à lei, mas lembra que a parte contrária faz barulho. Como no início do mês, quando 70 mil pessoas marcharam em Paris opondo-se à proposta.

MAIS SINAIS

Segundo o presidente do Ipea, Carlos von Doellinger, que é bem próximo de Paulo Guedes, o chamado “pacto federativo” vem aí. Em entrevista ao Valor, ele disse que a projeção do governo é que ao “desvincular, desindexar e desobrigar” receitas carimbadas (algumas para o SUS, outras para a educação…) se abra um espaço para ampliação de investimentos na ordem dos R$ 20 bilhões, chegando a R$ 39 bi por ano. A receita contempla ainda congelar salários do funcionalismo público federal, não repor servidores que vão se aposentar, dentre outras medidas ‘impopulares’ nas palavras do próprio von Doellinger.

NO CONGRESSO

Acontece hoje uma sessão solene na Câmara em homenagem ao Dia dos Médicos. Foi proposta pela Frente Parlamentar Mista da Medicina, presidida pelo deputado Hiran Gonçalves (PP). O CFM vai estar lá para seguir marcando posições: “pelo Revalida, contra a abertura indiscriminada de escolas médicas, pela carreira federal e em defesa do ato médico”.

Fonte: Outra Saúde

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