Mevatyl/Cannabis: Até onde vai a eficácia de derivados da maconha no combate a doenças?

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, no último dia 3, a liberação da venda em farmácias de produtos à base de cannabis para uso medicinal no Brasil. A regulamentação possui validade de três anos e o texto base não trata de uso recreativo do cannabis, que continua proibido.

Para falar sobre o assunto na estreia da minha coluna em ATribuna.com.br, convidei a renomada neurologista, docente do curso de medicina da Universidade Metropolitana de Santos e Coordenadora do ambulatório de doenças desmielinizantes da UNIMES, Dra. Andrea de Carvalho Anacleto Ferrari de Castro.

A liberação da Cannabis como produto medicinal no Brasil passou por um longo processo. O primeiro passo dado nesse processo ocorreu em Janeiro de 2015, com a retirada do canabidiol da lista de substâncias de uso proscrito, abrindo caminho para facilitar a comercialização de medicamentos com a substância no país. Já em Março de 2016, ocorreu a autorização da prescrição de remédios à base de canabidiol e THC no Brasil e, em Janeiro de 2017, foi registrado o primeiro remédio à base de maconha no Brasil, o Mevatyl, droga já aprovada em outros 28 países e que combate a esclerose múltipla.

Em relação ao cultivo da maconha para fins exclusivos medicinais, em Abril de 2017 ocorreu a primeira autorização pela Justiça Federal na Paraíba. Em Maio de 2017, houve a Inclusão da Cannabis sativa na Lista Completa das Denominações Comuns Brasileiras (DCB) sob a categoria de “planta medicinal”. No Brasil, a Anvisa, pela lei RDC3/2015, coloca o CBD na lista C1 de medicamentos – controle especial e, segundo o CFM, na resolução 2113/2014, aprova o uso da cannabis para o tratamento de epilepsia da criança e do adolescente refratária ao tratamento convencional e restringe a prescrição às especialidades da neurologia, neurocirurgia e psiquiatria e limita o seu uso como medicamento até 18 anos de idade. O uso da cannabis só deve ser considerado quando outros tratamentos não consigam o controle dos sintomas.

“Cannabis medicinal” é um termo amplo que pode ser aplicado para qualquer tipo de medicamento à base de cannabis. A cannabis medicinal está cada vez mais sendo estudada e pesquisada, motivado pela busca de novos medicamentos que possam ser usados para aliviar sintomas que não respondem a terapêuticas tradicionais e que causam muito sofrimento para crianças, adolescentes, adultos e a suas famílias, como dor crônica de difícil controle e crises convulsivas que não respondem à terapêutica tradicional, vômitos e náuseas após quimioterapia, anorexia e caquexia associada a Síndrome da Imunodeficiência adquirida (SIDA) e ao câncer. Apesar do grande interesse na cannabis, existem ainda poucos estudos com método cientifico robusto e uma necessidade premente de mais pesquisas sobre seu uso com segurança.

A planta Cannabis sativa contém mais de 500 componentes, dentre os quais 85 são farmacologicamente ativos, denominados canabinoides. Dentre eles, os mais conhecidos são o delta-9- -tetrahidrocanabinol (∆9-THC, ou THC), responsável pelos efeitos psicoativos, e o canabidiol (CBD), sem efeitos psicoativos. A descoberta de receptores de membrana específicos mediando os efeitos dos canabinoides levou ao reconhecimento de ligantes endógenos que atuam como ativadores dessas substâncias, chamados endocanabinoides.

O sistema endocanabinoide, composto pelos endocanabinoides, receptores canabinoides e enzimas responsáveis por sua síntese e degradação, tem ampla representatividade no sistema nervoso central e periférico, estando também envolvido em vários processos fisiológicos, como estímulo do apetite e balanço energético, pressão arterial, alívio da dor, embriogênese, controle de náusea e vômitos, controle da espasticidade, promoção do sono, e memória e aprendizagem.

A espasticidade é um distúrbio do controle sensório-motor caracterizada por ativação muscular involuntária, cursando com exacerbação dos reflexos miotáticos-fásicos e redução da força muscular. Encontra-se presente em várias doenças neurológicas, como paralisia cerebral, doenças neurodegenerativas, acidentes vasculares cerebrais, esclerose múltipla e lesões medulares. Quando não controlada, pode contribuir para o aumento da morbidade da doença de base por trazer prejuízos à mobilidade e autonomia, auto-cuidado e auto-estima, e favorecer contraturas, luxações e deformidades articulares.

Existem algumas evidências de que o cannabis medicinal pode ajudar certos tipos de dor, embora essa evidência ainda não seja forte o suficiente para recomendá-la para o alívio da dor. Há poucas pesquisas em adultos e não há pesquisas em relação a dor em crianças e adolescentes.

A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica, crônica e autoimune, ou seja, as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares. Embora a causa da doença ainda seja desconhecida, a EM tem sido foco de muitos estudos no mundo todo, o que têm possibilitado uma constante e significativa evolução na qualidade de vida dos pacientes. Os pacientes são geralmente jovens, em especial mulheres de 20 a 40 anos. A espasticidade e dores crônicas são um dos sintomas mais comuns da esclerose múltipla. A espasticidade na Esclerose Múltipla pode ser tão leve quanto a sensação de aperto dos músculos ou pode ser tão severa que produz espasmos dolorosos e incontroláveis ​​de extremidades, geralmente das pernas. A espasticidade também pode produzir sentimentos de dor ou aperto nas articulações, e pode causar dor lombar. Embora a espasticidade possa ocorrer em qualquer membro, é muito mais comum nas pernas.

O Mevatyl® é uma medicação criada a base de CBD + THC indicado para tratar os sintomas de pacientes adultos que apresentam espasticidade de moderada a grave e secundária a esclerose múltipla.

O medicamento deve ser usado por pacientes que não apresentaram bons resultados após a utilização de outras medicações antiespásticas e que demonstraram melhora significativa dos sintomas relacionados à espasticidade na fase incial do tratamento com o Mevatyl®.

O Mevatyl® atua na melhora da rigidez dos membros relacionada à esclerose múltipla e também na melhora da função motora, devido à atuação deste medicamento em receptores canabinoides.

Os riscos do uso de produtos de cannabis que contêm THC não são claros. Os produtos “puros”, que contêm apenas CBD, não apresentam esses riscos desconhecidos relacionados ao THC. Mas, na realidade, a maioria dos produtos conterá uma certa quantidade de THC. Quanto mais THC o produto contenha, maiores são esses riscos. Os principais riscos dos produtos de cannabis THC são: psicose precoce, esquizofrenia, aumento do comportamento impulsivo, transtorno bipolar de início precoce, alucinações, aumento da depressão, aumento do suicídio, e agravamento do transtorno de estresse pós-traumático. Os cientistas acreditam que o risco de dependência do medicamento seja provavelmente pequeno quando seu uso for controlado e monitorado por um médico especialista. Os principais efeitos colaterais são diarreia, fraqueza, mudança comportamental ou de humor, tontura, cansaço, alucinações e pensamentos suicidas. O CBD e o THC podem afetar o funcionamento de outros medicamentos.

Ainda são necessários mais estudos, com método adequado (reproduzível) e com maior número de participantes, para definir o papel da cannabis medicinal na prática clínica e pediátrica, assim como sua segurança e eficácia.

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