Acabar com a proibição da maconha é só o primeiro passo. Feito isso, é necessário pensar em um modelo de legalização. Estabelecer como será a atuação do Estado no mercado, as regras para o cultivo caseiro, a produção de medicamentos canábicos e os limites para ações publicitárias são alguns dos desafios da legislação sobre o tema.
Como o poder público deve atuar com a maconha legalizada? No Canadá, por exemplo, as normas mudam de acordo com cada província. Em Ontário, a venda é controlada pelo Estado, que vai adquirir e vender a erva cultivada por produtores licenciados. Existe o receio desta permissão contemplar apenas as grandes empresas, que cultivam maconha desde a época em que a legalização contemplava apenas o uso medicinal. Algumas como a Canopy Growth negociam ações no mercado financeiro.
Vale a regra do livre mercado e o processo de cultivo, distribuição e venda no varejo está sob controle da iniciativa privada.
O que costuma mudar entre os estados que legalizaram a maconha nos Estados Unidos é a política tributária. Em alguns locais, como o Colorado, existe uma determinação prévia de aplicar parte do imposto arrecadado com a maconha na reforma ou construção de escolas e nos programas atendimento a dependentes de drogas. Infelizmente isto não é uma regra geral.
O governo uruguaio apostou em uma tributação pequena na maconha vendida sob rígido controle estatal, em uma dezena de farmácias espalhadas pelo país. O objetivo da tributação reduzida é ter o preço da maconha legalizada com valor menor da erva que ainda é vendida ilegalmente.
Maconha livre de veneno
Uma questão que não pode fugir dos limites de ação do poder público é o controle de qualidade sobre a maconha que será vendida. Evitar que a cannabis siga o mesmo caminho do tabaco, misturado a uma infinidade substâncias tóxicas com objetivo de potencializar o vício, é fundamental neste processo.
No Brasil, caberia à Agência de Nacional de Vigilância Sanitária e os similares estaduais este controle de qualidade. Pode parecer bobagem, mas a cannabis adulterada para atender interesses econômicos pode gerar efeitos desastrosos para a saúde pública.
Neste contexto, ter uma legislação que contemple o cultivo caseiro é fundamental para evitar o oligopólio de uma maconha produzida em escala industrial, que eventualmente possa ser vendida com aditivos que prejudiquem a saúde do usuário. Na dúvida sobre a qualidade da erva disponibilizada nas lojas, o consumidor deve ter o direito de cultivar a cannabis em casa, adotando uma técnica sabidamente livre de impurezas.
Este direito de cultivar em casa também é fundamental para proteger quem busca os benefícios medicinais da maconha. Pacientes não podem ser reféns da indústria farmacêutica, que eventualmente pode impor um preço abusivo pelo remédio. É preciso ter em mente que ele pode ser produzido em um simples jardim no quintal de casa ou em uma estufa no canto do quarto.
O cavalo, um cowboy e um baseado?
O debate sobre a permissão para publicidade de maconha também é polêmico. Usar das técnicas de sedução de público para estimular o consumo de uma substância que causa dependência não parece uma medida correta. Acabar com a proibição é urgente, mas não parece um bom caminho repetir a estratégia dos fabricantes de bebidas e associar o uso de maconha a atividades esportivas.
No fundo, a luta pela legalização é um pedido de militantes para que se crie normas de controle sobre o cultivo e comercialização da maconha. Na legislação proibicionista vigente, a cannabis é vendida sem nenhum controle. O narcotráfico age sem regras para despistar a repressão e oferecer um produto de péssima qualidade aos consumidores: uma erva prensada, misturada com galhos e até restos de insetos.
No movimento antiproibicionista existem muitas divergências sobre o modelo de legalização que deve ser adotado no Brasil, principalmente no debate sobre os limites da atuação do poder público neste mercado. Mas todos concordam que a proibição é uma desgraça que alimenta um ciclo de violência que nada contribui para o bem viver de todos.
Fonte: Carta Capital