Preços, prazos, monopólios, plantação: o que irá acontecer depois da legalização da venda de canabidiol no Brasil?

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Muito foi dito desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou, no último dia 03 de dezembro, o registro e a fabricação de medicamentos à base de maconha no Brasil, assim como a venda dos remédios em farmácias – e muitas dúvidas ficaram no ar. Inicialmente a notícia foi celebrada nas redes, mas rapidamente as boas novas se tornaram intenso debate, principalmente pela decisão da agência por vetar o plantio da maconha para uso medicinal. A preocupação é justa: apesar da autorização da produção e venda, a proibição do plantio poderia manter elevados os preços dos medicamentos e manter os produtores nacionais reféns da importação de insumos. Quais são, portanto, os efeitos concretos da lei e quando eles começarão a ser sentidos? No que a proibição do plantio afeta esse novo cenário que se anuncia para a maconha medicinal no Brasil?

A decisão da Anvisa é sem dúvida uma boa notícia, principalmente para os milhares de pacientes que já utilizam o canabidiol, substância derivada da maconha, no Brasil. Se hoje o cliente precisa enfrentar um complexo e burocrático processo de autorização para importar ele mesmo o medicamento em custo alto, com a nova autorização empresas poderão produzir e importar medicamentos prontos, que serão vendidos em farmácias de forma corriqueira, como são diversos outros remédios controlados. “Para os pacientes, a medida tem alguns efeitos importantes, e o primeiro deles é uma redução considerável da burocracia”, diz Tarso Araujo, Diretor de Novos Negócios da Entourage Phytolab, empresa brasileira que desenvolve medicamentos à base de cannabis. “Hoje um paciente tem que pedir autorização pra Anvisa, que consiste em receita, termo de autorização, termo de responsabilidade do paciente, do médico, laudo médico, comprovante de residência, formulário preenchido e mais”, diz.

Segundo Tarso, a Anvisa atualmente leva cerca de 3 meses para retornar os pedidos e, só então com essa autorização, o paciente pode iniciar o processo de importação do remédio, que levava em média mais um mês para ser entregue. “É um processo burocrático e caro, pois além de pagar um produto em dólar, era preciso pagar um frete também em dólar”, diz Tarso, em entrevista exclusiva para o Hypeness. “Agora o paciente vai poder pegar sua receita, ir até a farmácia e pronto, como faz com qualquer outro remédio”.

Os efeitos dessa mudança, no entanto, não são imediatos: em cerca de 90 dias as empresas poderão pedir autorização para importar medicamentos e insumos, comercializar e produzir os medicamentos à base de cannabis. É preciso que as empresas cumpram uma série de requisitos de controle de documentação, controle, qualidade e segurança para que a Anvisa responda positivamente aos pedidos – Tarso acredita que os efeitos vão começar a ser sentidos em cerca de seis meses. “Vai depender da velocidade da Anvisa para reagir aos pedidos de autorização, pois há também um período para a importação e produção. Acredito que os medicamentos chegarão nas farmácias no segundo semestre de 2020”, diz. Um dos maiores especialistas no tema no Brasil, Tarso é também jornalista, autor do livro Almanaque das Drogas (Editora Leya/2012) e um dos diretores do documentário Ilegal – A Vida não tem espera, realizado pela produtora 3Film em parceria com a Superinteressante, que mostrou a luta de famílias pela regulamentação da maconha medicinal no país.

Sobre o preço e o impacto da proibição do plantio, o sentimento é agridoce: definitivamente a autorização da Anvisa irá reduzir o custo atual para os pacientes, mas a liberação do plantio teria impacto ainda maior para o bolso de quem mais precisa. “Minha aposta é que o preço vai cair bastante, a começar pela redução do custo de logística. É muito mais barato importar mil frascos do que somente três para um paciente”, diz Tarso. “Os custos operacionais e de transporte também serão reduzidos consideravelmente. Mas o principal impacto positivo talvez seja a concorrência: com a autorização a demanda aumentará, o processo se tornará mais simples e, assim, o preço irá cair”. Outro dado importante é que a nova lei não permite a criação de marcas entre os medicamentos, fazendo com que a principal diferenciação para essa concorrência seja mesmo o preço. “Os valores devem cair em 20% no mínimo, e no prazo de um ano é possível que o miligrama de CBD chegue ao consumidor por até 50% menos”. Atualmente o menor frasco de CBD, com 1000 miligramas, custa em torno de 100 dólares, mas como a maioria das pessoas precisa de doses mensais maiores, o custo médio fica entre 1 mil a 2 mil reais por mês.

Se esse é um cenário animador, a realidade poderia ser ainda melhor caso o plantio tivesse sido autorizado. “De modo geral, é lamentável que a produção e o cultivo para uso industrial não tenha sido autorizado. Em um prazo de cerca de dois anos a redução seria ainda maior. A liberação do plantio enfrenta forte resistência no governo, e de certa forma a Anvisa fez uma negociação para que a regulamentação saísse, mas sem o cultivo. De todo modo, o preço do CBD será menor do que é atualmente”. Vale lembrar que a decisão da Anvisa não tem qualquer relação com a criminalização do uso recreativo de maconha, a não ser do ponto de vista simbólico. “Conforme passarmos a usar mais medicamentos à base de cannabis, as pessoas irão começar a perceber que a maconha não é esse bicho de sete cabeças, e talvez se tornem mais abertas à possibilidade de não punir criminalmente seu uso social”.

Outro temor surgido a partir da nova autorização da Anvisa foi o possível do surgimento de monopólios que controlariam os preços em alta. “Essa é uma polêmica comum na área de produtos naturais. Você não pode simplesmente patentear o ‘uso’ daquela planta, porque isso é conhecimento popular/tradicional, parte de uma ciência que chamamos de etnofarmacologia (a descoberta e caracterização de novos potenciais tratamentos a partir do conhecimento tradicional empírico). Também muitas vezes não se pode patentear o processo de extração, ou de obtenção do produto, porque ele já é de amplo conhecimento público”, diz matéria de Fabricio Pamplona para o site Medium. “Pode-se patentear a composição, mas aí há um desafio enorme em realizar uma composição original, inédita e que tenha atividade inventiva. Para o bem do negócio, também deve ser algo estável o suficiente para que se consiga obter repetidas vezes de maneira consistente, em outras palavras, que seja reprodutível e confiável”, afirma o texto.

Conforme conta a matéria de Pamplona, uma empresa tentou recentemente patentear e criar um monopólio de medicamentos à base de maconha no Brasil, mas pedido foi negado pelo Inpi, órgão responsável pelos registros, e pela Anvisa. “A tendência é que as empresas estrangeiras se convertam em fornecedoras de matéria-prima, e as brasileiras se tornem as empresas que irão comercializar e distribuir o produto”, diz Tarso, espantando o fantasma de um monopólio estrangeiro através da dependências dos insumos importados. “As vantagens serão compartilhadas entre empresas locais e estrangeiras, mas quem vai vender, desenvolver, distribuir serão principalmente empresas brasileiras”.

Outro ponto lamentado por ativistas e pacientes foi, por conta da proibição do cultivo, o impedimento de produções caseiras ou em cooperativas. Tarso lembra, porém, que produzir em casa não é necessariamente mais barato, e que são muitos os investimentos iniciais e o tempo gasto para conseguir produzir com qualidade e quantidade necessárias. “Plantar maconha não é algo tão corriqueiro e fácil assim. Exige tempo, dedicação, conhecimento, equipamento, e por isso é difícil calcular esse casto”, afirma. “É importante preservar e oferecer o direito dos pacientes de produzir em casa. Mas tem muita gente que não quer produzir. Nem todo mundo que toma xarope em casa quer cultivar abelha, fazer mel e ter uma horta em casa – tem muita gente que quer ir à farmácia e comprar. Mas, se você quiser, deveria ter o direito de fazer o seu mel e o seu agrião – é isso que se reivindica”.

Para o especialista, contudo, a própria força do produto e o impacto positivo sobre a saúde e o bolso dos pacientes serão o mais eficiente combustível para que o cultivo seja também legalizado. “A legalização do cultivo para fins medicinais é, na minha opinião, uma questão de tempo, porque quando se cria um mercado grande como será o brasileiro, obviamente você precisa do fornecimento de matéria-prima”, diz. “Não vai demorar até que as autoridades brasileiras percebam que é uma grande oportunidade permitir que empresários brasileiros assumam a produção dessa matéria-prima. É uma grande oportunidade pro Brasil, do ponto de vista econômico, e também do ponto de vista da saúde, para baixar os custos do produto. Eu diria que num prazo de 3 a 5 anos com certeza teremos o cultivo autorizado no Brasil, pelo menos para fins comerciais”.

 

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