O uso da maconha medicinal no tratamento de epilepsias, esclerose múltipla, dor neuropática e paralisia cerebral tem ganhado cada vez mais força em Minas. De 2014 a 2017, apenas dez decisões judiciais para a compra da substância haviam sido atendidas pelo Estado. Neste ano, o número já saltou para 30, segundo a Secretaria de Saúde (SES-MG).
O aumento da procura pelo canabidiol – um dos componentes terapêuticos da cannabis, também chamado de CBD – acompanha o crescimento dos relatos positivos da aplicação do remédio em crianças com episódios frequentes de crises convulsivas.
É o caso de Pedro Samuel, de 11 anos, morador de Ribeirão das Neves, na Grande BH, que nasceu com paralisia cerebral. Há seis anos, depois de utilizar dezenas de medicamentos que não surtiam o efeito esperado, o menino passou a consumir a pasta de CBD via sonda, diluída em azeite.
A mãe, Cirlei Nunes da Silva, conta que o filho apresentou melhoras e não tem mais convulsões. “Ele tinha até 40 crises por dia e tomava nove remédios diferentes. Ficava algumas semanas em casa e meses no hospital. Até que descobrimos o canabidiol e não precisou internar mais”.
A aquisição da substância, no entanto, é outra batalha enfrentada pela família. Como a produção industrial ainda não foi autorizada no país, é preciso importar a pasta e arcar com todos os custos da compra – em dólar.
“Já consegui o fornecimento via Justiça em três ocasiões, mas agora não tenho esse benefício e estamos sendo obrigados a comprar. São R$ 1.500 por mês para termos as três seringas de que ele precisa, fora os gastos com outros insumos”, explica Cirlei.
“Hoje, a utilização do THC no tratamento de crianças é condenada por muitos médicos, mas enxergo essa questão como um total preconceito. O THC tem um efeito anticonvulsivante muito interessante. O uso crônico na infância e adolescência pode, sim, trazer prejuízos. No entanto, pior do que isso é a quantidade de convulsões que essas crianças têm e que as impedem até mesmo de chegar à vida adulta. Então, entre garantir que elas sobrevivam e deixar de oferecer o medicamento, o que seria melhor?” Leandro Ramires Médico-cirurgião oncológico, mastologista e diretor da AMA+ME
Procura
Chef de cozinha e blogueira, Thais Ventura, de Juiz de Fora, na Zona da Mata, é mãe de Annie, que nasceu com paralisia cerebral, hidrocefalia, baixa visão e epilepsia refratária. Foi também no CBD que a garotinha encontrou o alívio para as convulsões.
“A cada dia, há mais mães procurando informações sobre o canabidiol. Já criei dois grupos de auxílio para dar esse suporte e são mais de 300 cadastradas. Minha filha hoje não toma mais nenhum remédio além da cannabis. Estamos avançando”, diz.
Cultivo de cannabis
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve votar, na próxima terça-feira, a autorização do cultivo de cannabis para fins medicinais e científicos. Especialistas ponderam, no entanto, que os cofres públicos devem continuar sendo onerados com novas ordens judiciais de aquisição.
“Ainda que a produção seja autorizada, ela não estará disponível no curto prazo e a baixo custo. Estamos assistindo pessoas buscando o canabidiol por meios clandestinos, diante do rigor do Estado em relação à droga. Isso em um cenário de crise, com governos sem dinheiro”, afirma Emílio Figueiredo, advogado da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma) e pesquisador do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (Ineac) da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O Ministério da Saúde foi procurado, mas não se pronunciou até o fechamento da edição. De acordo com a Anvisa, 5.321 autorizações para importação de CBD foram emitidas pelo órgão apenas no primeiro trimestre no Brasil. O número já é quase 50% maior do que todas as liberações de 2018.
“A autorização para cultivo medicinal que está sendo desenhada pela Anvisa possivelmente só vai privilegiar os laboratórios farmacêuticos. Cria-se uma expectativa muito grande nas famílias, nas associações e nos pacientes, mas tudo anda a passos muito lentos. É preciso autorizar que os cultivadores possam extrair o óleo e conseguir o próprio medicamento, sem falar no aspecto social da questão da descriminalização, que é essencial. Ou seja, o CBD é uma espécie de “maconha para brancos”, uma leitura muito parcial de toda questão” Anderson Matos Psicólogo, consultor em políticas públicas para álcool e drogas e membro do Conselho Regional de Psicologia
Fonte: Hoje em Dia