Periódico da Associação Médica Americana argumenta que a falta de uma regulamentação federal sobre cannabis prejudica as pesquisas nos Estados Unidos e menciona falta de evidências robustas.
Políticas públicas permitindo o uso de canabinoides ou da própria planta da cannabis no manejo de condições médicas já são realidade em 33 estados norte-americanos, além do distrito de Columbia. No entanto, mesmo nos Estados Unidos, a maconha ainda é classificada como proibida na esfera federal. “Por causa desse conflito e das restrições nas pesquisas sobre cannabis, muitas vezes ainda faltam evidências sobre a sua eficácia no manejo de várias doenças”, é o que escreveu o Dr. Kevin P. Hill em recente publicação do JAMA (The Journal of the American Medical Association).
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O objetivo da referida publicação foi o de atualizar os leitores da seção JAMA Insigths sobre o que se sabe – e o que não se sabe – acerca das possibilidades de uso medicinal da cannabis. Destacamos alguns pontos relevantes do texto:
Uso recreativo x uso médico: Aproximadamente 10% dos usuários de cannabis nos EUA relatam que a consomem para fins medicinais;
Indicações já aprovadas pela FDA: Apenas alguns canabinoides são aprovados para uso medicinal pela Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano que delibera sobre medicamentos na esfera federal. Dronabinol e nabilona – canabinoides sintéticos análogos ao THC – foram aprovados pela FDA em 1985 para uso em náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia. Em 1992 o dronabiol ganhou outra indicação: estimulação do apetite em condições que causam perda de peso, especialmente em casos de AIDS. Após ensaios clínicos randomizados, recentemente o canabidiol (CBD) foi aprovado para o manejo de duas formas de epilepsia pediátrica: síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut;
Dor crônica: O uso da maconha para o tratamento da dor crônica também foi destacado e duas metanálises foram citadas como argumento. No entanto, o texto destacou que a maioria das pesquisas estudaram o uso de canabinoides na abordagem para dor neuropática, com poucos estudos de alta qualidade avaliando a eficácia para outros tipos de dor. O autor pondera que, por enquanto, existem apenas evidências inconclusivas de que os canabinoides sejam efetivos no manejo da dor crônica;
Esclerose múltipla: O alívio da espasticidade muscular decorrente da esclerose múltipla também é um dos alvos dos prescritores de cannabis medicinal. Há fortes evidências em estudos quando os resultados são coletados a partir dos relatos dos pacientes, porém as conclusões são mais frágeis quando os dados são originados dos médicos;
Outras condições: O interesse público pela cannabis e pelos canabinoides como farmacoterapia só aumenta, assim como o rol de situações clínicas em que vêm sendo aplicados. Doença de Parkinson, transtornos pós-traumáticos e síndrome de Tourette foram citadas como exemplos de condições que, apesar do benefício hipotético, por enquanto não apresentam evidências suficientes que possam confirmar esse propósito.
No geral, as evidências existentes ainda não são fortes o suficiente para lastrear o uso de canabinoides para o manejo de diversas condições clínicas. Dentre os motivos estão: amostragens pequenas, complexidade na mensuração dos resultados, tempo dos estudos ainda muito curtos para avaliar efeitos a longo prazo e o pouco conhecimento sobre a interação com outras drogas.
Estudos de maior porte, multicêntricos, randomizados e controlados ainda são necessários. Entretanto, nos Estados Unidos muitos governos estaduais já recomendaram uso de cannabis para mais de 50 condições médicas. A maconha e seus derivados podem sim ser úteis em algumas situações. Porém, é importante termos a ciência de que os tratamentos que os pacientes recebem atualmente nos EUA podem ainda não ser os mais adequados, seja pela falta de conhecimento das evidências disponíveis (por parte de médicos e pacientes) ou devido ao problema entorno da – ainda – ilegalidade em termos de lei federal.
No Brasil o tema também está em evidência. A regulamentação sobre o cultivo de maconha para fins medicinais e sobre a produção de medicamentos à base de cannabis foi pauta de reunião na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – no último dia 15 de outubro. A decisão, no entanto, não foi tomada devido a pedido de vistas por parte de um dos diretores e a deliberação deve ficar para novembro.
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O Congresso Nacional também debate o assunto. Recentemente, a Câmara dos Deputados instaurou em Brasília uma comissão especial para discutir a regulamentação da maconha para fins medicinais; o projeto, de autoria do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), terá Luciano Ducci (PSB-PR) como relator.
Fonte: Pebmed