‘Em algum momento, veremos a globalização da maconha’, diz czar de cânabis em Los Angeles

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Para os turistas que chegam a Los Angeles, a cidade é o paraíso da maconha, com anúncios coloridos na porta do aeroporto, centenas de lojas, produtos de luxo e serviços de entrega.

Já para os empresários da indústria, a cidade é um inferno. Mas um inferno com muito dinheiro. Com 4 milhões de habitantes, é o maior mercado municipal de maconha do mundo.

Desde que foi criado, em 2017, após a Califórnia liberar o uso da substância para maiores de 21 anos, o Departamento de Regulação da Cannabis de Los Angeles já emitiu 190 licenças para lojas, mas centenas de estabelecimentos ilegais permanecem.

Quem comanda o órgão, formado por 30 funcionários, é Cat Packer, que deixou o ativismo há dois anos para assumir o departamento.

Aos 27 anos, ela é a nova cara da legalização.

Negra, gay e sempre elegantemente vestida com ternos feitos sob medida, a “czar da maconha de Los Angeles” se formou em direito em Ohio e veio para a Califórnia coordenar uma campanha pela legalização liderada pela Drug Policy Alliance, organização não governamental para políticas sobre drogas.

Como descreve o momento atual da legalização na cidade? 

É uma nova transição. Por duas décadas, Los Angeles foi um epicentro de atividades de maconha, e as políticas do passado eram focadas em eliminar vendedores. Agora, pela primeira vez, muitos estão obedecendo a regulamentações e pagando impostos. E também se sentando com policiais para pedir ajuda contra os ilegais que prejudicam seus negócios.

Há muita frustração, mas é parte do risco de ser o primeiro no mercado. Apenas 35% dos municípios do estado permitem venda. Então Los Angeles sente a pressão, é muito cobiçada.

Qual o número ideal de lojas na cidade? Segue a lógica de mercado? 

A cidade já chegou a ter mais de mil lojas, e mais de três quartos eram ilegais. Vimos que o mercado sustentava. Mas será que esses operadores estavam testando seus produtos, vendendo para menores?Temos de descobrir não apenas o número apropriado, mas também como será a supervisão. No momento, o objetivo é permitir uma loja para cada 10 mil habitantes. Seriam 400 operadores licenciados. Mas há uma demanda gigante de gente querendo abrir negócio e querendo comprar. O mercado ilícito ainda é maior que o regulamentado.

Como funciona o Programa de Equidade Social do seu departamento?

O conceito por trás é o reconhecimento de que leis sobre maconha no passado tiveram impacto muito maior nas comunidades afro-americanas e latinas nos EUA. Essas pessoas têm quatro vezes mais chance de serem presas pela simples posse de maconha. Então elas deveriam poder participar dos benefícios da legalização e dessa nova indústria multibilionária. Para muitos, o jeito seria por meio de oportunidades de licenciamento de negócios. Para essas comunidades, falar sobre maconha é falar de justiça social.

E, nesses dois anos de legalização, o que já foi feito nessa direção?

Existem programas para facilitar a participação dessas comunidades na indústria. É preciso educação, entender as leis e fugir de práticas predatórias. Vai muito além de lojas. Há uma receita tributária significativa e jeitos de revertê-la para essas comunidades em educação, emprego, saúde. Sabemos que há implicações para a saúde, positivas e negativas, e não podemos ignorá-las. Serviços de saúde de suporte ou para abuso precisam estar disponíveis nessas comunidades também.

O que acha das experiências no Canadá e no Uruguai? 

Ainda é cedo para dizer se uma experiência é perfeição absoluta ou fracasso absoluto. O que dá para dizer que foi fracasso absoluto é a guerra às drogas. Qualquer tentativa dos países ou estados, seja por meio de um rígido controle do governo ou envolvendo mais os empreendedores, é reforma, é progresso. Estamos vivendo um grande experimento social, e cada modelo vai trazer um resultado diferente. Temos pesquisas de diversos lugares, o mundo inteiro está falando de legalização. Em algum momento, veremos a globalização da cânabis.

Quais os acertos e erros de Los Angeles para ser copiados e evitados em outros países? 

Algo a ser feito imediatamente, e que nos levou algum tempo, é ter uma espécie de agência para reunir as melhores práticas e comunicar todos os esforços de transição. Porque a legalização é muito interdisciplinar. É preciso ter na mesa especialistas de saúde, agentes de segurança, membros da comunidade e empresários. E levar à mesa equidade social desde o início e não no meio do caminho. Tire o tempo máximo possível antes de implementar, porque há muitas peças no jogo. E você só vai se dar conta delas quando baterem na sua cara.

Como foi sua transição de ativista na Drug Policy Alliance para funcionária de governo?

Ainda faço o mesmo trabalho, mas com uma perspectiva e ferramentas diferentes. Com a DPA, visitei o estado todo e conheci diferentes tipos para ouvir suas histórias e saber como a legalização poderia beneficiá-las. Ainda faço isso, interajo com essas comunidades. A burocracia pode ser frustrante aqui. Quero equidade agora, já, mas os sistemas não foram criados para permitir mudanças imediatas.
Às vezes a gente avança, às vezes retrocede, mas o importante é a vontade de se manter no jogo.

Como foi sua chegada e a criação do departamento? Sentiu olhares tortos? 

Ainda há estigma com maconha, mesmo na progressista Los Angeles. Nos últimos 50 anos, a Lei de Substâncias Controladas coloca maconha no mesmo grupo que heroína. Quando fui criar o site oficial do departamento, o cannabis.lacity.org, fui atrás do pessoal de tecnologia. Mas eles não queriam deixar, achavam que não devia ter maconha no nome. Imagine só! Mas hoje acho que as pessoas aqui reconhecem que há maneiras de tratar maconha como qualquer outro negócio, com regras, impostos e penalidades.

De onde veio sua vontade de trabalhar com legalização? 
Sempre me interessei por iniciativas de justiça social. Mesmo estudando direito, queria mais saber de políticas públicas do que virar advogada.

Descobri que cânabis é algo interdisciplinar que me permite trabalhar em diferentes frentes. Aprendi isso lendo o livro “The New Jim Crow”, de Michelle Alexander. Ela diz que nada contribuiu mais para o encarceramento sistemático em massa de pessoas negras nos Estados Unidos do que a guerra às drogas. Isso me marcou. Queria ajudar, seguir alguém, mas descobri também que havia uma falta de liderança.

Qual sua experiência pessoal com maconha? Fuma? 
Eu já fumei, não é nenhum segredo. O que é importante deixar claro é que ainda existem consequências para quem fuma. As pessoas podem ter um emprego negado por conta de maconha porque precisam fazer testes. Há leis de habitação que discriminam se você é usuário. Sei que existem pessoas que me seguem, preciso ser um exemplo. Então, quando eu uso cânabis, uso de forma responsável.

Para trabalhar no seu departamento é preciso fazer teste de urina para drogas?
Depende. Para trabalhar na prefeitura, para alguns cargos, é preciso, sim.

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