A vendedora Kátia [nome fictício], de 47 anos, da Penha (zona leste da capital paulista), foi diagnosticada com fibromialgia há dez anos, quando uma simples dor nos joelhos se transformou em um pesadelo. “Chegou num ponto que eu não conseguia andar. Fui em diversos médicos, que me traziam diagnósticos diferentes. Porém, os exames não deram nada e, por eliminação, veio a constatação de que eu tinha fibromialgia”, conta.
O caminho para melhorar as dores foi feito de forma convencional. Remédios alopáticos fortes passaram a fazer parte da rotina da vendedora, mas os efeitos colaterais começavam a fazer Kátia se questionar se era daquela maneira que ela gostaria de passar o resto da vida, uma vez que a fibromialgia não tem cura.
“Eu dormia praticamente o dia todo com os primeiros medicamentos que os médicos me deram. Ao questionar, trocaram a medicação e, então, passei a tomar antidepressivos, que me deixavam completamente acelerada de dia. Aí, à noite, eu tinha que tomar remédio para dormir. Não fazia sentido aquilo”, relembra.
A descoberta da Cannabis
As dúvidas sobre esse “estilo de vida” não eram só de Kátia. Amigos e parentes começaram também a questioná-la. “Me perguntavam o que eu estava fazendo da minha vida diante de tantas receitas e remédios. Eu não tinha qualidade de vida nenhuma. Meu marido tinha que me trocar, me levar ao banheiro, amarrar meu sapato. Uma bursite no quadril ainda piorava tudo”, diz.
Diante de um quadro grave de dores e dependência, Kátia conta que os amigos que fumavam maconha passaram a indicar a substância como uma forma de “teste”, para ela relaxar e passar a comer e dormir melhor. “Eu tinha muito preconceito. Mas a dor era tanta que resolvi testar. Passei a fumar maconha para dormir. Em pouco tempo notei que o ato de fumar também ajudava a reduzir as dores. Não tive dúvida. Comecei a usar a maconha como remédio”, conta.
Grana curta
Com a condição financeira cheia de limitações, a vendedora se viu sem opção. O jeito era fumar maconha prensada mesmo, essa vendida nas esquinas e bocas de fumo espalhadas por aí. E quando descobriu o óleo de cannabis, não foi diferente. Sem recursos e atrás da qualidade de vida perdida, Kátia recorreu à compra de óleo clandestino. “Eu sei que alimento um mercado ilícito, mas maconha boa é cara nas mãos de quem planta em casa, óleo legalizado é caro. Minha dor não pode esperar. Comprei o óleo com CBD e THC pela primeira para o meu cachorro e comecei a tomar junto. Então passei a me sentir relaxada, com uma sensação de bem-estar prolongada. Assim pude retomar minha vida”, diz.
Kátia garante que combo fumar maconha + óleo de cannabis a ajudou a mudar de vida completamente. As tarefas básicas da casa voltaram a ser feitas por ela. E o entusiasmo com os efeitos da cannabis medicinal a levou a apostar em outros tipos de produtos, como a pomada a base de maconha, que ela usa na bursite. “Ainda não consigo trabalhar em pé todos os dias, mas trabalho três vezes por semana. Minha disposição sexual melhorou. Posso colocar minha própria meia e cortar minha unha. Hoje, até uma cervejinha eu tomo. Tudo isso era impensável antes da cannabis na minha vida”, diz.
A vendedora sabe que a clandestinidade não é o melhor caminho, mas ressalta que a burocracia e os custos são grandes barreiras para quem busca a cura pela maconha medicinal. “Estou fazendo um curso para extração de óleo e um dia quero ter autorização para plantar e fazer meu próprio remédio. Até lá, vou continuar usando aquilo que posso ter e pagar”, finaliza.
Uso ilegal pode implicar problemas de saúde e jurídicos
Além das sanções jurídicas mais conhecidas no caso de plantio de maconha ilegal, como tráfico de drogas, e penalidades em relação ao consumo e ao porte de pequenas quantidades da erva, como prestação de serviço comunitário e multa, no caso da compra e venda de óleo de cannabis a punição é ainda mais severa.
Segundo o advogado Diogo Maciel, especialista em direito médico, quem for pego comprando ou vendendo óleo de cannabis pode responder por tráfico de drogas e por crime contra a saúde pública. Isso se chama concurso material de crime, quando a mesma conduta é tipificada com dois crimes.
“Além de todos os riscos à saúde, a pessoa que compra ou vende óleo de cannabis de forma ilegal corre o risco de pegar de cinco a 15 anos de cadeia por tráfico de drogas, além de quatro a oito anos de reclusão pelo crime contra a saúde pública. O mundo entende que o CBD é um suplemento alimentar, mas no Brasil é uma medicação. Então, no nosso entendimento, a pessoa pode ser enquadrada no artigo 273 do Código Penal”, afirma Maciel.
No que diz respeito a problemas relacionados à saúde, Wilson Lessa, psiquiatra e professor da UFRR (Universidade Federal de Roraima), alerta para os riscos que o uso de óleos clandestinos oferece aos pacientes.
Lessa explica que o principal problema, além da possível ineficácia desse tipo de produto, é a contaminação, que pode piorar ainda mais a saúde de quem faz o uso do óleo clandestino.
“Numa primeira situação, quem está procurando tratamento precisa ter uma quantidade adequada de canabidiol e outros componentes. Esses produtos ilegais tendem a não seguir um padrão. Cada lote pode trazer plantas com cepas e extrações diferentes. Não tem constância, por isso, é possível que não faça efeito. Num segundo cenário, ainda mais preocupante, é esse material estar contaminado com pesticidas, metais pesados e bactérias, fungos e vírus. Isso pode prejudicar ainda mais a saúde do paciente”, alerta Lessa.
ALERTA: A terapia com Cannabis deve ser acompanhada por um médico; a automedicação não é indicada, podendo trazer consequências negativas à saúde ou prejudicar o tratamento. Consulte sempre um médico.