Bob Burnquist quer a liberação da maconha e venderá produtos com a planta para aliviar a dor

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Um ano se passou, desde que o skate passou a receber incentivo da Lei Agnelo Piva, por estar incluído no programa olímpico de Tóquio-2020, e, para o presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), Bob Burnquist, a maior diferença entre o antes e o depois desta inserção é a chegada do controle antidoping.

O ex-atleta, dez vezes campeão do mundo e sete vezes eleito o melhor skatista do ano, afirma que o esporte, cuja essência é ser um estilo de vida, sempre teve grandes competições ao redor do mundo, com investimento alto, pressão e transmissão pela TV. Mas, os atletas não eram submetidos às regras da Agência Mundial Antidopagem (Wada). Ele mesmo nunca fez exames e teve o desafio, entre outros, de convencer os atletas a embarcar nessa nova fase.

— A Olimpíada não tem nada de alienígena para nós. Só estará em outra plataforma e terá uma energia diferente. O que mudou é o controle antidoping — admite Bob, que é contra a proibição da cannabis pela Wada.

A planta cannabis, que tem espécies diferentes, é base para a confecção de drogas psicoativas, como a maconha, e medicamentos (não liberados pela Anvisa no Brasil). Dos seus mais de 400 compostos, os mais conhecidos são o tetrahidrocanabinol (THC), responsável pelos efeitos psicoativos e neurotóxicos, e o canabidiol (CBD) que possui diversas possibilidades terapêuticas.

De acordo com as regras da Wada, apenas o CBD, isolado, é liberado. Mas, o consumo da maconha é proibido, uma vez que o THC é o seu principal componente. É considerado caso positivo o seu consumo durante as competições. Mas, em exames surpresa, feitos fora da época dos torneios, não.

— Existem várias formas de usar o CBD, cremes, cápsulas e outras. Fumar é que estraga o pulmão. Eu não aconselharia — fala Bob, que explica que a substância é utilizada no mundo do skate para tratar a dor mas também de forma recreativa. — Se eu usar opioides (como metadona, morfina), estou fudido. Vou viciar e acabar com o meu corpo. E o CBD é menos agressivo. Veja que este é o nosso grande problema. E que grande problema, hein! Apenas a cannabis porque diferentemente de outros esportes não usamos anabolizantes.

Bob, que é um mega empresário, contou que não só fará lobby para a retirada da cannabis da lista de substâncias proibidas como comercializará, nos Estados Unidos, onde mora, produtos à base de plantas e também de CBD:

— O que eu puder fazer, farei. Mas até lá vamos jogar com a regra. Maconha pode ser usada fora de competição, certo? Durante não? Então, não se usa em competição. Pronto. Mas não sou hipócrita. Prefiro que todos os atletas, não só do skate, usem cannabis e não opioides. Isso não é brincadeira. Muita gente está morrendo com uso exagerado do opioides. Estou começando uma empresa, de produtos à base de plantas, não só a cannabis, justamente por causa disso. Tenho 37 fraturas e continuo saudável. Tenho amigos que não. Sei como é tratar com opioides e como é tratar sem.

Seleção 2019

Jorge Bichara, diretor de Esportes do Comitê Olímpico do Brasil (COB), conta que entre os cinco esportes ou modalidades novas de Tóquio-2020, o caratê e o skate foram os que mais apresentaram projetos interessantes já de olho na próxima Olimpíada — não estão garantidos para Paris-2024. O skate, inclusive, recebeu mais R$ 1,7 milhão, além dos R$ 720 mil, previstos para 2018, provenientes da Lei Agnelo Piva.

Bichara lembra, porém, que a modalidade não se acomodou. Ao contrário. Busca patrocínios e não tem apresentado dificuldades. A Nike, por exemplo, é a fornecedora de material esportivo para o ciclo.

— Além da liderança em âmbito mundial que o Bob tem, a confederação teve grande evolução em um ano, demonstra bom nível de organização e excelentes profissionais em seu quadro técnico — elogia Bichara, que destaca investimentos no realização de circuito brasileiro (R$ 512 mil), viagens para eventos internacionais (R$ 929 mil), contratação de preparador físico, médico, fisioterapeuta e outros (R$ 236 mil), além do pagamento de plano médico para 16 atletas (R$ 1.000 cada) e ajuda de custo (R$ 1.500 cada).

egundo ele, o COB espera que o esporte suba ao pódio ao menos uma vez em cada modalidade, street e park. Afirma, porém, que o “sarrafo subiu” e que tem surgido novos nomes em praças não tradicionais, como o Japão.

Comenta que apenas em 2018 foi realizado o Mundial da World Skate (antiga Federação Internacional de Roller Sports, FIRS), no park, e que por isso é complicado fazer projeções. Lembra que as competições de skate tem características diferentes, como convites para atletas por interesses diversos, e que por isso não servem como parâmetro. Ele só fará balanços após o Mundial de street, em 2019.

— Já vi mudança importante entre os atletas neste Mundial. Se comportaram como time, torceram como país e não apenas pela manobra, que é uma prática comum do esporte. É uma mudança de postura. O skate olímpico é outro caminho — afirma Bichara, para quem o maior desafio em Tóquio será a arbitragem.

Para Bob, os juízes sempre serão um problema já que esta análise é subjetiva. Afirma que nem sempre concorda com os pódios.

— Mas tudo bem! Muita gente vai discordar. O importante é ter juízes capacitados — opina Bob, que não cobra os atletas por medalha. — Quero que mostrem a alma do skate brasileiro, nossa alegria, quem somos, e se vier a medalha será consequência. Não vamos nos encaixotar, chegar lá robóticos, apenas pensando em pódio.

Tóquio 2020

A corrida para Tóquio-2020 começará em 1.º de janeiro de 2019 com a implementação do ranking olímpico. Serão válidas as nove melhores pontuações até 31 de maio de 2020, em competições com pistas de park e street homologadas pela Wolrd Skate. Cada país pode ter, ao todo, três atletas por categoria e naipe.

Outras competições, organizadas por marcas, com convidados, continuarão a acontecer, mesmo fora deste processo para ambas as categorias.

O Brasil já definiu parte da sua seleção para 2019. São seis atletas em cada modalidade. Mas, segundo Eduardo Musa, vice-presidente da CBSk, é possível que mais um ou dois sejam selecionados, em cada modalidade, por critérios técnicos. Ele explica que “vai depender do orçamento de 2019” e que a ideia é que até o final de 2018 isso esteja definido.

Estes atletas terão ajuda da CBSk para viajar e disputar os torneios internacionais que contarão pontos no ranking. Eles não tem vaga em 2020 garantida.

Bob destacou Luiz Francisco, de 18 anos, do park, comparando-o ao americano Nyjah Huston, sete vezes campeão do X-Games no street, que estreou no profissional com apenas 15 anos.

— O Luizinho foi a revelação deste ano. Competiu em vários campeonatos e já chegou muito bem. Está todo mundo falando dele. E parece que a idade não bate! Porque é novo ainda, tem habilidade, é precoce e vai crescer e ganhar mais força. O negócio é esse, ganhar mais força — elogia o chefe.

Uniforme

Entre as maiores preocupações dos skatistas, com a inclusão do esporte no programa olímpico, estava o uniforme. Os atletas não queriam “ser enquadrados” nas típicas peças e agasalhos dos esportes olímpicos. Além disso, havia a preocupação com os patrocinadores pessoiais. Bob elaborou junto com a Nike o logotipo da seleção e garante que a marca fará peças de acordo com a modalidade.

— Faremos uniformes com a nossa cara — diz Bob, lembrando que a marca tem uma linha voltada ao skate e que não terá dificuldade.

Na Olimpíada, a equipe desfilará com os uniformes da Nike (material de competição) e também do COB (vila e pódio). Até lá, eles podem usar as marcas pessoais em eventos fora do circuito da seleção.

— Eles tem estilo, não querem se snetir tolidos, enquadrados. Entendemos isso. O COB temos uniformes de vila diferentes e vamos tentar atender o skate também. Estamos discutindo com o nosso fornecedor (a chinesa Peak) mas já adianto que não será calça jeans caindo, com cueca com o símbolo do COB — disse Bicahra, rindo.

Boicote

No início, em 2017, o problema era maior. Os skatistas não queriam entrar nos Jogos. Foi Bob, que mora entre o Brasil e os Estados Unidos, quem iniciou um movimento para mudar esta história.

O COB havia certificado a Confederação Brasileira de Hockey e Patins (CBHP) como representante do skate nacional para que recebesse incentivo da Lei Agnelo Piva. Isso porque o Comitê Olímpico Internacional (COI) reconhece a Federação Internacional de Roller Sports (FIRS), hoje rebatizada de World Skate, como responsável pela modalidade e a CBHP é filiada a ela.

Mas, a CBHP não era a entidade do skate. Por isso, eles ameaçaram não ir aos Jogos.

— Era como se o skate tivesse entrado na Olimpíada e o skate brasileiro não — lembra Bob, que enxergou ali uma oportunidade de mudar o jogo. —  O skate é muito querido para mim e eu não iria deixar à deriva. Porque eu não sonhei em ser presidente da confederação. Aliás, sou contra essa coisa das confederações de ‘tudo por dinheiro’. Vi o movimento olímpico acontecendo e sempre fui contra na verdade. Justamente porque a gente não tinha a organização e o controle das coisas. Mas, quem não faz nada não pode reclamar depois.

 

Apesar de satisfeito com a nova realidade do skate, Bob, que foi eleito por unanimidade o presidente da CBSk, diz abertamente que o esporte “não precisa da Olimpíada, cresceu e mantém a relevância sem o COI”.

— Sem cometer bullying com o COI mas, se não estivéssemos na Olimpíada, nós não morreríamos — declara Bob, que acredita que os atletas do park estão mais alinhados com esta nova realidade. — Os de street acham que não serão mais respeitados na rua se forem aos Jogos. Tem muito streeteiro dos bons que não pisa em competição. É a escolha de cada um. Para eles a imagem vale mais do que uma Olimpíada.

Pedro Barros, a maior estrela da modalidade do país, heptacampeão mundial, confirma que ainda há preconceito em relação aos Jogos. Isso porque, segundo ele, esta lado “life style do skate” é muito vivo. Conta que os skatistas gostam de “andar de skate”, sem regras. Ele, porém, se diz focado em buscar uma medalha inédita para o país:

— É que a gente ainda não sabe o que esperar dos Jogos Olímpicos. Será um campo de batalha novo, uma incógina para nós. Mas, ao mesmo tempo, uma oportuniadde única. Principalmente para mostrar o que é o skate. Eu estou focado nisso mas jamais abandonarei o skate que me faz feliz — fala o esportista, que pode perder a Olimpíada se for punido por doping. — Acho que haverá uma mudança pós-Tóquio. Uma divisão. Quem vai para o olímpico e quem não vai. Como o basquete de rua (3×3 que também estreia nos Jogos) que é uma vertente do basquete. Acredito que esse esforço valerá a pena, no sentido de abrir portas para todos.

Fonte: O Globo

 

 

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