A vida de um brasileiro que se mudou para o Uruguai para investir em maconha

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Em tempos em que o negócio maconha, praticado em ambiente legal, já faz seus primeiros milionários pelo mundo e países atualizam sua legislação sobre o tema – o Canadá acaba de colocar em vigor a lei que libera o uso recreativo da erva –, a máxima “em terra de cego, quem tem um olho é rei” nunca fez tanto sentido. A droga nem é legalizada no Brasil, mas já tem gente de olho no mercado em potencial no país e ganhando dinheiro. Mesmo que, por ora, só nos caminhos da comercialização de artigos relacionados a cannabis e na distribuição de informação sobre o assunto. Pessoas que vêm se especializando, investindo e ganhando vantagem em uma corrida que parece já ter começado antes mesmo da largada. Afinal, se a maconha for uma dia legalizada no Brasil, quem já estiver envolvido neste mercado, mesmo que minimamente, vai se dar bem.

À distância, logo ali do Uruguai (e não por acaso), o jovem empresário Jonas Rafael Rossatto, 30 anos recém-feitos, é um que observa e já se movimenta. Nascido em Pato Branco, no interior do Paraná, Jonas se mudou para o país vizinho em 2014, pouco tempo antes do início da venda da maconha, oficialmente liberada, nas farmácias. Um olho cá, onde segue com uma série de parceiros e empreendimentos relacionados à cannabis, e outro lá.

– Saí do Brasil principalmente pela questão política. Nunca vendi maconha e faço tudo dentro da lei, tenho uma equipe de cinco advogados que cuidam de meus negócios. Mas não posso me dar o luxo de estar no Brasil, onde a maconha é estigmatizada e ainda ilegal e eu corro o risco de ser perseguido politicamente. Se acontece qualquer coisa comigo aqui, todas as minhas empresas param. E eu queria inovar dentro do marco legal — diz Jonas.

No Uruguai, ele implementou uma empresa de turismo cannábico (a WeedTour) que oferece aos turistas (sobretudo brasileiros e argentinos, na América do Sul, e ingleses, na Europa) tours “legalize” e educativos sobre o tema e desenvolveu o site e aplicativo “Reservarcanabis.com”, para que a população possa reservar com antecedência a maconha das farmácias e evitar as filas — que já vinham se tornando um problema.

— Não são redes de farmácia que vendem a maconha no Uruguai, mas farmácias tradicionais, com mais de 40, 50 anos, onde vão os velhinhos do bairro, a vizinhança toda. Imagina ficar horas exposto em três, quatro quadras de fila, com cerca de 1.500 pessoas. No aplicativo, você escolhe a farmácia e ele já te diz quantos pacotes há disponíveis e quando você pode retirar. Ao fazer a reserva, você recebe um QR Code e, sem enfrentar fila e com discrição, retira o produto — explica Jonas, que, das 16 farmácias autorizadas a vender maconha no país, já fechou parceria com sete (quatro ainda em fase de testes, para iniciar o uso no verão, quando os cultivos estão em floração e, sem maconha em casa, o público intensifica a busca nas farmácias).

Sempre foi assim, precocemente, que Jonas atuou. O adolescente que aos 13 anos invadia e derrubava servidores na internet (em sua cidade, Jonas era conhecido como hacker), aos 14, era administrador de uma das maiores redes de bate-papo do Brasil (a Brasnet, no mIRC), e, aos 15, já lia Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Aldous Huxley, começou cedo a vincular suas habilidades em programação, desenvolvimento e design (sua formação é Design Digital) à necessidade de mais e mais informações.

— Sempre fui autodidata em relação à informação. Antes de experimentar maconha, pesquisei muito sobre ela, para ver o que era, que alterações provocava, como era a proibição — lembra Jonas, que, por volta do ano de 2006, replicou no domínio Plantando.com o conteúdo armazenado de dois sites (um português e um brasileiro) sobre cultivo de cannabis, quando eles saíram do ar — a intenção era manter pública a informação, a ser devolvida para seus “donos” quando os sites voltassem.

A página de Jonas ficou no ar menos de três meses. Mas ali estava plantada a semente que brotaria dois anos depois, por pressão de antigos leitores do Plantando.com. O domínio voltou, como um fórum sobre cultivo alimentado por colaboradores. O primeiro de uma série de sites e aplicativos sobre o tema que Jonas produziria, em paralelo à sua especialização no assunto. Como quando se mudou, em 2009, para Buenos Aires e ficou por lá por quase quatro anos plantando maconha, após a abertura de jurisprudência em um caso em que a punição ao cultivo para uso pessoal foi declarada inconstitucional.

— Ao longo destes anos, troquei sementes com os argentinos, plantei cerca de 90 plantas, melhorei minhas técnicas de cultivo, virei o PHD da maconha. Foi quando fiz uma parceria com um grupo brasileiro e criei um portal de notícias sobre a maconha, o SmokeBud (smkbd.com), que desmente fake news sobre o tema desde 2011. A mídia era muito distópica em relação a este assunto. E mesmo os sites que davam notícias “positivas” replicavam conteúdos absurdos. Poxa, você está tentando falar sobre uma planta que é proibida e vai aumentar o preconceito? Para mim, informação é subsídio, e não dá para dar subsídio errado. No SmokeBud, temos uma rede de colaboradores, entre advogados, jornalistas, designers, pesquisadores, neurocientistas, médicos, ativistas e entusiastas da maconha que verificam todo o conteúdo antes de publicado — diz o empresário, que voltou ao Brasil em 2013 e, em 2014, ajudou a viabilizar e participou do primeiro debate sobre a maconha no Senado, a SUG 8/2014.

Agora, há nove sites de Jonas no ar: além do Weedtour.net, o Reservarcannabis.com, o Plantando.com (que acabou virando um market place com produtos de cultivo não só de maconha, mas de orgânicos em geral) e o SmokeBud, há o BudMaps, mapa que indica, em todo o mundo, uma rede de pessoas e empresas atuantes neste mercado, de lojas, bares e pontos de encontros de maconheiros (Jonas mapeou cerca de 73% de todo o mercado mundial de growshops e head shops) a advogados que defendem usuários e médicos que receitam maconha medicinal; o clube de assinaturas de sedas e outros acessórios Canabista.club; o “Submarino da maconha” Legalizeja.com.br, site de vendas com um catálogo de mais de 1.400 produtos relacionados à cannabis, de marcas pouco conhecidas a gigantes como Nike e Adidas; o portal Psicodelizando.com, com notícias de estudos e avanços científicos em relação a diversas drogas; e o site Aquelas.net, que publica ensaios sensuais de mulheres consumidoras de maconha e outros conteúdos relacionados à erva no universo feminino (como maconha e gravidez).

Um ensaio de retorno ao Brasil? Nem tão cedo. Por enquanto, negócios por aqui administrados só à distância, e já com a perspectiva de um cenário ruim.

— Há algumas propostas no Senado e outras tantas que poderão ser incluídas no Portal de Cidadania do Senado ao longo dos próximos anos, mas nenhum debate deverá acontecer. Conforme aumenta a repressão, a venda de tudo diminui, pois as pessoas se sentem mais coagidas. Mas a informação está aí e já não dá mais para colocar a maconha de volta no armário — conclui.

Fonte: O Globo

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