Na última semana, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a regulamentação do plantio de maconha medicinal no país, o ex-deputado federal Givaldo Carimbão disse conhecer o caso de uma pessoa que morreu de overdose de maconha. Foi a gota d’água para Margarete Brito, diretora da Associação de Apoio a Pacientes e Pesquisa de Cannabis Medicinal (Apepi), retirar-se da sala em protesto, afirmando que aquilo era uma mentira, já que não existem registros científicos sobre falecimentos nessas circunstâncias.
É nesse ambiente de debate intenso e de burocracia que caminham duas resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), propostas em junho, e um Projeto de Lei (PL) oficializado em setembro, sobre o tema. Enquanto isso, empreendimentos milionários aguardam sinal verde do governo para lançar-se no mercado da maconha medicinal no Brasil – inclusive em Minas.
Um deles é a Ease Labs, que produz óleo à base de Cannabis para tratar sintomas de epilepsia e dor crônica. O CEO Gustavo Palhares afirma que, caso a Anvisa autorize o cultivo da planta e a produção de medicamentos no Brasil, vai investir R$ 30 milhões no Estado. Ele ainda não revela em qual cidade, mas diz avaliar duas na região metropolitana de BH.
“Hoje, nos Estados Unidos, existem várias subdivisões do mercado de Cannabis, como plataformas (de gestão) de fazendas e produtos, empresas de marketing, de logística e de delivery especializadas. Os subsetores crescem e aumentam a geração de empregos, sem falar nos impostos que são gerados quando se abre uma nova linha de negócios como essa”, pontua o CEO mineiro.
Até agora, o plantio e o registro de medicamentos feitos de Cannabis é proibido no Brasil – a Anvisa avalia cada um desses fatores separadamente. Palhares estima que, em um cenário pessimista, no qual só o registro de remédios seja permitido, de 20 a 30 pessoas vão ser empregadas pela empresa em um laboratório em Minas. O pessoal de administração e marketing pode somar outras 40.
Caso as resoluções não sejam favoráveis à produção nacional, ele deve investir os milhões no Uruguai, onde a empresa já atua. A Anvisa não informa quando a regulamentação vai ser votada pelos cinco diretores da agência – em outubro, dois deles pediram mais tempo para avaliar o assunto. O médico e militar Antônio Torres, indicação do presidente Jair Bolsonaro que será presidente da entidade a partir de 2020, foi um deles. A liberação beneficiaria de 1,7 milhão a 3,9 milhões de pacientes, segundo diferentes avaliações.
Outra empresa à espera da definição da questão é a Canopy Growth, gigante canadense. Em junho, ela anunciou investimento de R$ 60 milhões no mercado nacional e abriu um escritório em São Paulo – não informa quanto de fato já investiu, mas, desde então, demitiu o gerente das operações brasileiras e diminuiu de 92 para 78 os funcionários na América Latina. A Canopy está na Colômbia, que autoriza o plantio desde 2015 e tem ganhado notoriedade no cenário internacional por produzir por menos da metade do valor canadense.
Em 2018, o mercado da Cannabis movimentou US$ 10 bilhões nos Estados Unidos, segundo a consultoria de marketing Euromonitor – e calcula-se que o valor chegará a US$ 30 bilhões até 2025. De olho nesse filão, a gestora de investimentos brasileira Vitreo lançou dois fundos para o mercado internacional de maconha.
Inovação nacional
Startups mineiras também aguardam decisões sobre a regulamentação da planta no Brasil para lançar produtos. Em parceria com a Universidade Federal de Viçosa, a mineira Adwa criou um software que permite planejar a melhor época para plantio e colheita e fazer a rastreabilidade do produto (exigência das resoluções da Anvisa).
“Já fiz contatos com o pessoal do Uruguai e da Colômbia. Vamos esperar o final do ano para ver o que a Anvisa decide e, a partir do ano que vem, avaliar se há possibilidade de persistir no Brasil. Para rodar o software em outros países, precisaríamos de poucas adaptações”, diz o CEO da empresa, o engenheiro agrônomo Sérgio Rocha.
A Cuidy está em busca de sair na frente do mercado internacional e testa produtos inéditos. Uma das soluções pioneiras que desenvolve é o extrato seco da planta, pó que pode ser utilizado pela indústria em cremes, cápsulas e óleo, por exemplo. Esse modo de extração permite conservar melhor os terpenos da planta, substâncias capazes de potencializar os efeitos dos canabinoides.
Por ora, os experimentos destinam-se à paraibana Abrace Esperança, única associação do Brasil autorizada a plantar, mas o fundador da Cuidy, Murilo Gouvêa, diz ter recebido uma proposta de R$ 1,2 milhão pelos direitos sobre produtos da marca. Ele também vai se voltar ao exterior, enquanto a regulação não avança no Brasil, e está em contato com associações de pacientes em Barcelona, na Espanha.
Fonte: O Tempo